12/12/21

Os azulejos da meninice de Nascimento Morais e seu grito modernista


14ª Feira do Livro de São Luís. A liberdade nasce na consciência

Katia Dias fazendo contação de história na Feira do Livro

“Conferência, bate-papo, relançamento de livro, contação de história e performance literária”. Esses foram alguns dos capítulos especiais da programação da 14ª Feira do Livro de São Luis-Felis, dedicados ao patrono do evento, Nascimento Morais Filho, desde que as páginas do evento se abriram para o público na Praça Maria Aragão, do último sábado (3) até este domingo (12) quando o livro se fecha.



Nascimento Morais Filho foi professor, poeta, jornalista e folclorista nascido em São Luís do Maranhão, em 15 de julho 1922 e um dos principais expoentes do modernismo em seu estado.

Com o tema “A liberdade nasce na consciência”, a Felis homenageou também as poetisas Arlete Nogueira e Dagmar Desterro.

Logo na abertura da Felis, a mestra em Literatura e Crítica Literária e neta do homenageado, Natércia Morais Garrido, fez uma conferência com o tema “Nascimento Morais Filho, o poeta, o homem em um só clamor”. 

A conferencista se especializou na obra do avô. Em 2016, defendeu seu mestrado na Pontíficia Universidade Católica de São Paulo-PUC com a dissertação “A poética modernista em Azulejos de Nascimento Morais Filho”.


Também inspirada nos poemas do poeta maranhense Nascimento de Moraes, na obra, Azulejos (1963), a arte-educadora e poeta Kátia Dias reuniu os “piquenos” no Espaço Criança Biblioteca José Sarney, para sua contação de história: “Era uma vez... Um Nascimento”.

A contação de kátia Dias, abordou o universo poético da obra (Azulejos) sob o plano temático da infância com o olhar voltado para os procedimentos de escrita e oralidade no contexto da obra modernista.
De maneira lúdica e descontraída tracei um percurso narrativo através de leituras interpretativas dos poemas do poeta [Nascimento Morais]. Onde a infância é o lugar da fome, da sede e do afeto. É o lugar dos azulejos, das brincadeiras e dos brinquedos e das histórias do cotidiano”, contou a arte-educadora.



Público atento à contação de história 


Confira algumas quadras dos 168 poemas que compõem o livro Azulejos! Uma obra que os críticos são unanimes em afirmar, ser feliz, ingênua e que nos remete a meninice do autor.


Mamãe,

quando eu cresço?

- Já lhe disse que tá crescendo!

- E como todo dia estou do mesmo tamanho (p.104)




Mamãe,

as casas tão correndo?

olhe mamãe!

- Não são as casas, meu filho, é o automóvel (p.162)



Mamãe,

porque o galo da igreja não canta?

- Por que é de ferro, meu filho

- Mas ele devia cantar, mamãe, ele é galo1 (p.41)



Ha! se eu fosse seu José!...

se eu fosse seu José,

não vendia o camarão... nem os bombons que ele lá tem na quitanda dele!...

eu comia era tudinho!... (p.65)


Clamor da hora presente


A estreia de Nascimento Morais na poesia aconteceu em 1955 com o livro “Clamor da Hora presente”, relançado na Feira do Livro. O poema “Evocação” (p.140), de acordo com a literata Natércia Morais, o projetou no meio literário, pois
“Expressa o desejo de luta das massas e também pela vontade de se libertar do jugo opressor do homem vendido ao capitalismo e convoca à todos pela não escravização das mentes”.

Confira a íntegra do poema “Evocação”!



Poetas, meus irmãos, acompanhar meu grito!

— Eu sou o sofrimento dos sem nome!

— Eu sou a voz dos oprimidos!

Não tanjo a lira mágica de Orfeu

de quem as aves se acercavam para ouvi-lo

e lhe vinham lamber os pés as próprias feras!



As láureas, meus irmãos, olímpicas não busco

com que cingis de glórias os vossos sonhos!

— Cravaram-me a coroa dos crucificados!

Minha Castália — são as lágrimas do Povo;

Meu Parnaso — a Dor da minha Gente!



Meu instrumento é poliforme e rude!...

Não tem o aristocrático perfil das harpas nobres

nem as rutilações de sons das pedras raras.

— Ele é Clamor!

Ruge nos seus trons

o estrugir do Povo em Praça pública!


Poetas, meus irmãos, acompanhar meu grito!

Maldigo a resignação infame dos covardes!

— Eu prego a rebeldia estoica dos heróis:

— Meu Evangelho é a Liberdade!

A Liberdade, meus irmãos,

tem a forma simbólica da Cruz

e a cor do sangue!

— O sangue é o apanágio da Conquista!


Poetas, meus irmãos, acompanhar meu grito!

Jesus,

se conquistou os céus com suas orações,

Ele, o Redentor,

sobre a terra triunfou com o sangue do seu corpo!


Sangue, flâmula bendita,

e, no Calvário — FÉ — aberta em Cruz!

Poetas, meus irmãos, acompanhar meu grito!



O grito modernista de Nascimento de Morais


Esse brado, marcante no poema “Evocação”, que se estende por todo o livro, serviu de pano de fundo para a poeta Kátia Dias construir sua performance literária intitulada “O grito modernista de Nascimento Moraes Filho”, apresentada no Espaço Aberto do evento, em meio a noite de autógrafos de autores maranhenses.

Segundo a artista, a poesia de Nascimento Moraes se adequa perfeitamente ao tempo que vivemos.
“O seu grito por liberdade de consciência encontra repercussão em nosso drama social atua. Ele grita por mais justiça social, menos miséria e menos ignorância. Sua verve nos dá ânimo e direção na marcha por um mundo melhor”, disparou kátia.

A artista, fez leitura dramática e declamações de versos que evocaram o clamor pela consciência ecológica, social e cidadã, relacionando a linguagem moderna ao tempo presente.


Destacou ainda que a importância da obra de Nascimento Morais, reside em “uma literatura em defesa da valorização da mulher, da identidade cultural maranhense e das nossas riquezas naturais que continuam sofrendo com os intensos impactos socioambientais advindos dos resíduos industriais e da ganancia dos capitalistas”.

Sobre motivar a leitura de Literatura, principalmente de autores maranhense, em tempos de mundo virtual, a poetisa disse que “é preciso reconhecer que há uma simbiose entre os formatos tradicionais e as novas tecnologias”. 

No seu entendimento, "o culto a criação ou apreciação da obra literária deve ser realizado como um rito necessário tanto para o tradicional como para o eletrônico, e a Feira do Livro é um exemplo dessa interação", concluiu Kátia Dia, que terminou sua performance literária com um caloroso “Fora Bolsonaro!”.


A 14 Feira do Livro de São Luís é realizada pela Prefeitura municipal de São Luís, por meio da Secretaria Municipal de Cultura – Secult e da Secretaria Municipal de Educação – Semed com o patrocínio do Instituto Cultural Vale


Por Samartone e Uerbet Santos
Fotos: Divulgação/norrau express.