Reflexão sobre a invisibilidade da mulher no esporte e a origem do termo torcedor.
O calor da torcida ou a frieza do ginásio vazio? Obviamente, a maioria vai preferir o calor da torcida, mesmo em ginásios climatizados.
Pois é ela, a torcida, o termômetro que mede a temperatura do jogo, impulsiona e leva o time à frente, em busca da vitória.
Sem a presença da “massa” humana, uniformizada ou não, a entoar hinos de apoio ao time do coração, o jogo perde a emoção, esfria.
As restrições de público nos eventos esportivos, em face da pandemia causada pelo novo coronavírus e suas variantes, deixam às claras, o hiato emotivo que a torcida causa em um ginásio vazio.
"Jogador comete falta em quadra.
Torcida faz falta na arquibancada", diz o jargão.
Essa mesma torcida que deixou órfão os espaços de eventos esportivo enquanto medida de isolamento social, nem de torcida era chamada nos idos de 1920 no Brasil.
De onde surgiu esse movimento que originou esse termo, único, empregado apenas na língua portuguesa falada no Brasil?
Por incrível que pareça, diante de uma sociedade patriarcal e extremamente machista, esse substantivo feminino, que indica o ato ou efeito de torcer é inspirado na mulher. Explico!
De acordo com texto publicado no site do Flu-Memória, nas duas primeiras décadas do século 20, no campo da rua Guanabara, sede do Fluminense, era comum encontrar pessoas bem-vestidas nas arquibancadas, dada a sofisticação conferida, à época, ao costume de assistir a partidas de futebol. As mulheres, por exemplo, usavam vestidos longos, sombrinhas, leques e luvas, elemento de destaque na origem do termo “torcedor”.
Em lances decisivos, as moças recorriam às suas luvas para aliviar o nervosismo. Em razão do calor no Rio de Janeiro, elas retiravam o acessório.
Depois, torciam a vestimenta, ensopada de suor, movimento esse que chamou a atenção de um ilustre frequentador dos jogos do clube.
Pai dos jogadores Mano e Preguinho, Henrique Coelho Netto, membro da Academia Brasileira de Letras, percebeu a ação.
Em seus textos, o intelectual passou a denominar "torcedores" aqueles que acompanhavam o esporte, cuja principal referência, a "torcida" é em menção àquelas mulheres que lá estavam a torcer as luvas, umedecidas pelo calor do verão fluminense.
"Enquanto eles jogam, elas torcem", escreveu Coelho Netto, em crônica de jornal.
Se dizem que o esporte é uma “caixinha de surpresas”. Eis mais uma: em um ambiente predominante de homens dentro e fora dos campos e quadras, foram elas, as mulheres, com seus gestos, que deram à luz para o cronista Coelho Netto cunhar o vocábulo.
Hoje, elas não apenas torcem, mas traçam projetos enquanto atletas, dirigentes, técnicas e árbitras, para assim, ficarem em pé de igualdade com os homens, em verbas de patrocínio, número de competições e salários.
A exemplo do movimento Levante a Bola Delas, inspirado pelo Dia Internacional da Igualdade Feminina, celebrado em 26 de agosto, estrelado por campeãs da Liga de Basquete Feminina -BF e também por personagens históricas da modalidade, como as campeãs mundiais Magic Paula (Vice-presidente da confederação Brasileira de Basquete-CBB), Hortência e Janeth, no qual pedem visibilidade, apoio e condições igualitárias ao basquete feminino.
#LevanteABolaDelas
Empossado nesta quarta-feira (24), o novo presidente da Confederação Brasileira de Futebol-CBF, o baiano Ednaldo rodrigues, prometeu entre outros assuntos, incluir mulheres na diretoria da entidade, 100% composta por homens. Já é um começo.
Enquanto jornalista, que cobre há quatro temporadas o Sampaio Basquete na LBF, presenciei em 13 de março de 2020, na 1ª partida entre Sampaio Basquete e Sesi de Araraquara, no Costa Rodrigues, um ginásio sem torcida e na sequência, um campeonato suspenso pela pandemia causada pelo Coronavírus.
Naquele momento percebi que o mundo não seria mais o mesmo. Tive medo. Mas não perdi a esperança, pois sempre acreditei que ao ressignificar valores sairíamos daquela situação mais fortes.
Sexta-feira passada (18), 1 ano e 7 meses depois, de um imenso silêncio, o grito da torcida ecoou nas arquibancadas daquela mesma praça esportiva para o jogo entre Sampaio Basquete e Blumenau.
Um reencontro. Em um espaço no qual as mulheres são protagonistas.
Naquele momento, observei o quão as mulheres são briosas e determinadas no que se propõem a fazer.
Como assim fizeram as meninas do Sampaio Basquete, em 22 de agosto de 2019, no caldeirão do ginásio Costa Rodrigues, ao vencerem o playoff contra o Vera Cruz Campinas por 3 a 0 e sagrarem-se bicampeãs da competição.
Mulheres são vencedoras sempre. Hoje, elas não tiram mais as luvas como outrora, apenas para torcê-las e tirar o suor, arregaçam as mangas e vão a luta, seja no calor da arquibancada ou na frieza de um ginásio vazio.
Confira o vídeo com a integra da matéria com os três jogos do Sampaio Basquete citados no no artigo pelo jornalista Uer Santos em dois momentos distintos da LBF (com e sem torcida).
https://www.youtube.com/watch?v=7ofDWrwCFzk
*O jornalista Uerbet Santos é capacitado pela ONU Mulheres para multiplicar pautas sobre a mulher
Foto: Divulgação/Flu-Memória
2 comentários:
👏👏👏👏🤩
Muito boa matéria.
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