Ainda na “ressaca” do Carnaval, vamos abordar no artigo de hoje, a partir de alguns anúncios e textos de jornais maranhenses os ecos da folia da São Luís de fins do século XIX. Num domingo gordo de Carnaval, no dia 12 de fevereiro de 1899, assim se manifestava
Ilustração das brincadeiras de rua em 1881 |
“O Abelhudo” (uma espécie de folha satírica dos costumes e política sanluisense): “ Hoje é [...] o grande dia destinado á folia, á ratice, á patuscada; - é o inolvidável dia do celebre e burlesco – você me conhece ? – o impagável dia em que devemos esquecer tudo quando há de grave, triste e sério n’este mundo de misérias, e nos lembrar somente das brejeirices, das momices, dos cantos alegres, das danças patuscas, de tudo em suma quanto possa divertir a humanidade”.
O trecho acima citado demonstra que nesse último ano do século XIX, já na República, o entrudo era ainda uma das principais formas de diversão no Carnaval de São Luís, e significava na verdade, a própria concepção de Carnaval, a forma em voga de se brincar o Carnaval, ou seja, “entrudo” era sinônimo de Carnaval, assim como em outras províncias do Brasil.
A origem do Carnaval no Brasil colonial se dá com o entrudo que consistia em uma série de variadas brincadeiras e folguedos que saiam pelas principais ruas das cidades, onde participavam desde escravos, libertos, ex-escravos, pessoas do povo, onde os foliões andavam mascarados e fantasiados pelas ruas, munidos de bisnagas e limões de ceras, carregados de líquidos e água de cheiro, jogando uns nos outros na maior “algazarra” e se realizava quarenta dias que antecedia a páscoa.
O dia do célebre e burlesco “você me conhece?”, ressaltado pelo cronista de “O Abelhudo”, era quando o folião mascarado, com voz de falsete, indagava os passantes nas ruas sobre sua identidade, porém, geralmente essa pergunta, era um prelúdio a insultos, troças, jatos de águas e limões de cera na cara, era o momento da vingança dos desafetos e vizinhos indesejados.
O comércio local, também aproveitava o período da folia momesca para faturar. Os jornais estão repleto de anúncios, oferecendo um sortido e variado estoque de produtos típicos do Carnaval. “Viva o Carnaval!... Mascaras de papelão, tipos de bichos, luvas de diversas qualidades e tamanhos, Mascara de cetim...Narizes de papelão e cera...Barbas, bigodes e cabeleiras. Meias para homem e mulher branca e de cores... E tudo mais o que se possa desejar para o carnaval. Também receberam um completo sortimento de bisnagas e o magnifico pó de prata e ouro para o entrudo”. Assim anunciava no início dos anos de 1880, o seu Bazar Carnavalesco no Jornal Pacotilha o estabelecimento Neves, Pinheiro & C., localizado à Rua do Sol.
Além do entrudo e do Carnaval de rua como já mencionamos, já se fazia presente na São Luís do final do século XIX a existência também de um outro modelo de Carnaval, com um perfil mais elitista, mais aos moldes dos carnavais veneziano e parisiense; dos préstitos - a exemplo dos “Arautos de Momo”-, dos bailes de máscaras, do corso, do Zé-Pereira, das batalhas de flores e das sociedades carnavalescas – como a “Mephistopheles” - responsáveis pela organização desses eventos e brincadeiras.
Observa-se a partir daí a apropriação do Carnaval pelas elites, o surgimento do dito Carnaval “civilizado”, que agora estava “longe” das ruas, “desorganização” e permissividade do entrudo, mas mesmo quando ocupava as ruas, largos e praças, o fazia com “organização”, “critérios” o “horários”, cheios de regras de urbanidade e civilidade, eis aí o novo sentido do Carnaval em São Luís e também nas principais cidades do Brasil nessa virada de século. Quanto ao entrudo, passou então, a ser mal visto pelas classes abastadas, sendo a partir daí, marginalizado e criminalizado pela polícia e autoridades.